domingo, 27 de abril de 2008

TELEFONE SEM FIO, por Caroline Pellegrini


Enquanto cursava o 2° grau, meu livro de português da época trazia uma propaganda dos anos 90 que utilizava como ilustração a célebre imagem da linha da evolução humana (aquela que o primata Australopithecus aparece de perfil sobre quatro apoios, e gradativamente eleva-se, até atingir a postura ereta, do homem chamado de “evoluído”, o tal do Homo-erectus). E como isto era uma propaganda e não uma aula de história ou coisa parecida, a imagem continha uma pequena alteração no seu conteúdo: o tal do homem “evoluído” trazia em uma de suas mãos uma lata de Coca-cola.
No tal livro de português, além da propaganda, havia uma hipótese sobre as possíveis interpretações desta imagem, que dizia mais ou menos assim: Se o mundo acabasse e restasse na face da terra apenas este anúncio, quem chegasse depois acreditaria que o borbulhante líquido escuro era nosso Deus.
Ignorando a não sapiência do nome do autor desta hipótese um tanto quanto contraditória, o fato da Coca-cola ser ou não ser Deus, e o porquê escolhi esse exemplo tão confuso, direciona-se aqui o foco no questionamento conduzido pela hipótese citada: Várias interpretações de uma mesma informação. A variedade de desvios que uma mensagem pode tomar no caminho entre emissor-receptor.
Maria Mommensohn, questiona exatamente isto:
O mesmo gesto pode ter significados culturais diferentes em culturas diversas. Ele age/reage em função de necessidades intrínsecas de adequação com o ambiente.”
Para a Arte, nada melhor que poder usufruir de um vocabulário onde um mesmo signo traz diversas significações. Isto é fantástico para aumentar o repertório de possibilidades artísticas e conduzir o expectador a caminhos que talvez nem imagine que se possa levar. Mas se este é o sonho, é também o pesadelo da Arte. É por causa das infinitas interpretações que um mesmo espetáculo, que uma perna alta, que uma cor vermelha podem remeter, que críticos tem emprego, que público escolhe seu ídolo, que a classe artística se digladia.
Sim, não é o que a coreografia quer dizer, mas o momento da sua vida que VOCÊ resolveu assisti-la, o que VOCÊ pensa da companhia que irá executá-la, os valores que VOCÊ traz sobre o tema proposto pela mesma, e tantos outros fatos que fazem de VOCÊ o culpado de tudo que irá pensar e sentir sobre o espetáculo.
Mas se isto ocorre, o que fazer? Deve-se lançar um livro com a hermenêutica absoluta e nada relativa de tudo o que tudo possa significar? Criar uma lei que puna significações diferentes para o mesmo ato (Quantos “eu te amos” seriam multados)? Infelizmente, a Filosofia da Linguagem está aí há séculos tentando fazer isso, e não teve nenhum êxito. E, mais infelizmente ainda, já pagamos uma multa bem cara por cada ato nosso ser interpretado de diversas formas.
Talvez porque ainda o objetivo do ser humano é chegar sempre a alguma certeza e nunca a mais dúvidas. Ao escrever um texto (este, por exemplo), finaliza-o com algo que se nomeia “conclusão”. Não estaria este texto dentro das normas se ficasse aqui lançando perguntas e não fornecesse certeza alguma.Você está sedento de um lugar confortável e não de aumentar a sua instabilidade com mais questionamentos.
E antes que este assunto tome outro rumo, voltemos então ao questionamento principal: o que fazer com arte, que dá margem a tantas interpretações? O que fazer quando você quer dizer algo e escutam outra coisa?
Murray Louis cita: ”A prática da arte é tão intensamente subjetiva, tão pessoal (...) que é inevitável que todos acabem sendo apanhados e aprisionados em sua própria rede pegajosa de definições. Ainda sim, há que persistir”.
Há que persistir. Há que persistir em tentar captar o que os olhos vêem e não o que seu olhar quer ver. Será possível? Será pretensão? Será que perdemos a mensagem no meio do caminho? E se ela tranformou-se? E que tal pegarmos outro rumo no próximo texto?

Um comentário:

4º ano de Dança/FAP disse...

Caroline,
A busca do bicho homem é sim pelas certezas, estabilidades, categorizações exatas, etc. É isso que, de certa forma, o move.
A questão das palavras, dos conceitos, dos movimentos é que todos carregam uma ambivalência e muitas vezes (ou quase sempre) busca-se um significado unívoco e, junto com essas coisas todas vêm muitas outras a elas atreladas. A dificuldade reside justamente nisso.
Bom exemplo pode ser visto em uma passagem do seu texto - quando você fala da necessidade de uma conclusão. Se distendermos o termo nós iremos perceber que toda conclusão é necessariamente transitória e contextual, referindo-se àquilo que foi exposto.
Mas não podemos esquecer que uma imagem, uma frase oudança não são inocentes, pois carregam consigo todo um jeito de ser e estar no mundo.
Continue com essas reflexões e também com sua partilha.
Gian