quinta-feira, 24 de abril de 2008

::Crítica

Faltou métrica em Rimas do Corpo
Por Emanuella Kalil

O solo de dança contemporânea encanta pela maturidade de Mariana Muniz, mas a peça em si, está longe de ser coesa

A peça Rimas no Corpo, de autoria de Mariana Muniz e Cláudio Gimenez, ficou em cartaz no Teatro da Caixa durante os dias 14 a 16 de março. Relaciona movimentos e poesia, como fica claro ao dar-se uma olhadela mais atenta ao título.

Ao pôr em contato poesia e dança, a intérprete-criadora Mariana Muniz se preocupa muito mais com a forma de ambas as linguagens, do que com o seus conteúdos propriamente ditos. Não é a primeira vez que a artista aborda o tema das Letras, recorrente em pesquisas anteriores, como em Tufúns – inspirado no trabalho de Ferreira Gullar –, em O Fingidor – baseado na vida e obra do poeta português Fernando Pessoa –, e Dantea – que trata dos trabalhos da poetisa portuguesa Florbela Espanca.

As Rimas

Para Rimas no Corpo o ponto de partida foram alguns versos de Arnaldo Antunes, que são trazidos para o palco de duas formas. No início, alguns trechos são declamados e, embora acompanhados de movimentos, a combinação soa artificial e didática, como se para relacionar poesia e dança, fosse preciso necessariamente declamar um texto dançando-o. Em um segundo momento, essa ação é deixada de lado, e Mariana passa a emitir alguns ruídos, que de forma menos literal, passam então a motivar a sua movimentação.

A Movimentação

A partitura de movimento apresentada demonstra a maturidade corporal da artista e sua experiência em escolas de danças clássicas e modernas. Na maior parte do tempo ela apresenta uma movimentação original e própria, longe do virtuosismo acadêmico. Porém, em alguns momentos, a bailarina faz referências desnecessárias às técnicas de balé e de dança moderna, o que de certa forma quebra a identidade que ela vinha imprimindo ao trabalho, de somente incluir movimentos pessoais.

O gesto, em particular, tem presença marcante na coreografia. Gestos do cotidiano, carregados de significados e conceitos – como abrir a boca, arregalar os olhos ou articular os dedos da mão –, aparecem deslocados de seus contextos originais, causando algum estranhamento na platéia. Não há aparentemente o desejo de comunicar alegria, pesar, ou qualquer outra emoção com tais gestos e expressões, mas sim o de simplesmente mover o corpo em sua totalidade.

A Questão da Subjetividade do Movimento

A subjetividade da peça é grande, podendo o público escolher entre fixar os olhos atentamente a belas seqüências de movimento – às vezes não tão belas, mas não menos instigantes –, e deixar-se simplesmente fruí-las, degustando-as por uma via de acesso emocional, sem muitas racionalizações; ou ceder à tentação de tentar atribuir significados aos vários elementos cênicos utilizados pela bailarina.

A combinação insólita dos objetos usados em cena aponta para uma falta de articulação no discurso proposto pela artista. A presença de bolas de tênis espalhadas e de um sinalizador policial no palco, o uso de luvas médicas e de uma rosa vermelha, além da projeção de diversas imagens urbanas no fundo do palco e de uma luz que se acende por um curto espaço de tempo na platéia, são sinais. Sinalizam um excesso de informação, que ou a pesquisa cênica deixou mal-resolvido, ou somente ficou bem esclarecido para os seus criadores. Não há aparente conexão entre os elementos usados, ou entre eles e a coreografia.

O movimento é a linguagem da dança por excelência, o que favorece naturalmente a produção de um discurso com conteúdo menos exato que aquele proporcionado pelas palavras. Mesmo observando-se esse detalhe, é bastante comum a expectativa da platéia por uma narrativa, ou por uma moral ao final de peças de dança, o que geralmente causa frustração. Porém, além da discussão da forma do movimento, o espetáculo não apresenta ou deixa clara nenhuma outra proposição.

Não estou defendendo uma narrativa linear, ou uma peça didática, mas deixar para o público a tarefa de realizar todo o trajeto de articulação da peça é uma postura um tanto cômoda para o artista – e vem tornando-se recorrente nos espetáculos que venho assistindo ultimamente, mas essa é uma outra história.

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