domingo, 29 de junho de 2008

Crítica Cultural: um apanhado bibliográfico

Por Emanuella Lima

Crítica, em seu sentido vernáculo, significa “a arte de apreciar e julgar o mérito, fugindo a ser necessariamente procura de defeitos e realce de erros” (LEMOS, 2005, p. 10). O termo vem do grego kritikós – que significa quebrar, fragmentando a obra de arte e reinserindo-a em outros contextos políticos e sociais –, e do latim criticu, que diz respeito à idéia de julgamento e também à de crise (APCA, 2008).

Nesse sentido, antes de a crítica ser vista como um gênero do jornalismo cultural é fundamental que sua concepção esteja sempre presente na postura do profissional, ao lidar com os mais diversos tipos de informação. “E chegamos à questão da crítica, do jornalista como crítico. Deve o jornalista cultural ser um crítico ou um relatador? Entendo que o jornalista cultural tem de ser crítico, ou então ele será um mero escrevinhador do serviço cultural” (COELHO, 2007, p. 27).

No caso da crítica cultural, segundo Lemos, a análise de uma obra de arte deve ter como referência os cânones da estética, observando os impactos causados no espectador e adotando um ponto de vista original.

"E todo esse processo é que é a crítica de arte, a verdadeira e competente crítica, que reside muito acima da opinião afetiva, dos meros gostei ou não gostei, como também das fantasias criadas por sobre o aspecto anedótico de determinada obra ou imaginadas como interpretações de possíveis intenções do artista dedicado ao abstracionismo" (LEMOS, 2005, p. 10).

A autora aponta como uma crítica consciente, aquela que ao emitir elogios, mostra na obra elementos que os justifiquem; e ainda não economiza apontamentos desfavoráveis para cultivar amizades ou para que se conquiste “ares de simpatia”. Julgamentos equivocados darão ao público interessado e ao próprio artista uma idéia confusa em torno do que é arte e a respeito do trabalho, impedindo um diálogo mais profícuo.

A esse respeito, Backes faz uma observação acerca da prática da crítica no Brasil, que tem sido feita entre “Aplausos e Bravos!”: “(...) Sintomático, aliás, esse troço de os nomes das revistas de cultura em atuação no mercado serem assim tão positivos – quando não positivos, neutros. Falta apenas um Viva, e antes que alguém o dê, dou-o eu, mas à crítica, fazendo a crítica da crítica que não existe (2003, p.318)”. O autor coloca que a crítica séria, que não se deixa levar por comodismos ou convenções, já quase não existe mais:

“É que ser bonzinho com os outros é coisa das mais fáceis e cômodas. Os boquirrotos do elogio, os criticastros de plantão, os caçadores de obras-primas têm um tapete de facilidades estendido a seus pés. (...) Isso quando afirmam sua opinião e não fazem apenas um apanhado genérico da obra, seguindo os bem-intencionados – nunca isentos – releases das editoras e dão ao leitor o mesmo que ele encontrará na orelha ufana e estufada do livro. Difícil é criticar, é ser severo, não seguindo a perniciosa sugestão que ensina a viver em paz com o mundo e prega o lema de ser gentil com o próximo (BACKES, 2003, p. 318)”.

Para ele, é a crítica dos “Aplausos e Bravos!” que prolifera o artista medíocre – aquele que produz três obras-primas por ano e é cheio de aprovação pública –, que acaba tomando espaço do artista competente: “Ou seja, quem diz que todo mundo é bom prejudica o bom, que de fato é bom, nivelando-o com o lixo literário de cada dia” (BACKES, 2003, p.324).

Para se produzir uma boa crítica, o autor recomenda em primeiro lugar estar ciente de que se vai apreciar criticamente uma obra de arte. “Isso pressupõe frieza científica, um postulado de verdade e ouvidos fechados ao ódio, à camaradagem e à indiferença” (2003, p. 319). Ponto de vista partilhado por Squeff, que entende serem os diferentes pesos e medidas adotados para amigos – a tolerância –, e para os desafetos – uma severidade excessiva –, a principal fonte de distorções na crítica. (1980 apud MELO, 1994, p. 134).

Backes chama atenção para a importância de sempre levantar particularidades da obra, exemplificando e esclarecendo sempre por que ela é boa ou ruim – e assim, não deixar parecer gratuita, qualquer consideração positiva ou negativa.

“Não me venha um relativista querer reivindicar que o crítico deve dizer porque ‘pensa’ que uma obra é boa ou não, e não por que ela ‘é’ boa ou não. (...) É verdade que tudo é mediado pelo eu subjetivo do crítico, mas – por outro lado – o relativismo atual é o aliado poderoso daquela velhinha que disse, com um sorriso no rosto e um suspiro no peito: ‘gosto é gosto, e não se discute’... depois de chupar o nariz de outra! Eu acredito na existência da régua, do compasso e do bom gosto... (2003, p. 320)”.

Já para Faro, o crítico não deve ser destrutivo. Mesmo tendo a obrigação de julgar a obra, no caso de juízo negativo, deve fazê-lo de forma sutil, sempre deixando esperança para a continuidade do trabalho do artista: “Se é verdade que a arte exige talento e que nem todos possuem o talento que julgam produzir, o próprio desenrolar dos fatos se ocupa de afastar da arena, pouco a pouco, os menos dotados” (1986, p. 135). Porém o autor deixa claro que os críticos que se posicionam, sempre acabarão por fazer sua cota de inimigos “quem acredita no próprio talento não deve gostar de ver impresso num jornal ou revista exatamente o contrário” (1986, p. 136).

A urbanidade, entre outros critérios, é uma postura exigida ao crítico durante suas atividades. Segundo Amaral, é preciso respeitar tanto o público quanto o artista que recebe a crítica, fazendo-o de maneira polida, inclusive nos casos de crítica negativa. “É dever do crítico escolher formas cavalheirescas para dizer a verdade sobre qualquer obra. Nada de expressões vulgares, de ataques pessoais, de desatenções” (1978, p. 144).

O autor propõe ainda, como condições anteriores à apreciação crítica, a ciência, o gosto estético, a imparcialidade e a tolerância. Desse modo, o crítico precisa conhecer a fundo a matéria de sua especialidade: “seus juízos devem refletir o resultado de profundo saber, nunca uma opinião tateante lançada inescrupulosamente ao público” (AMARAL, 1978, p. 144). O trabalho do crítico pode pôr em jogo a reputação da vida e obra de uma personalidade, por isso ele deve saber conciliar o conhecimento dos fundamentos da obra de arte, sua história, nomenclatura e escolas com um critério de bom gosto pessoal.

Mais que isso, um bom crítico precisa saber identificar um trabalho competente entre tantos outros, sobretudo quando no caso de uma obra inovadora e sem nenhum exemplo anterior como parâmetro. É preciso deixar de lado afeições e desafetos no momento de avaliar a obra; e ser tolerante com as obras que não são de sua preferência, conhecimento ou aprovação: “o belo tem variação infinita e não se limita a esquema” (AMARAL, 1978, p. 144).
Por ser uma atividade que envolve juízo de valor, a prática da crítica no jornalismo cultural tem alguns revezes. Tanto do lado de artistas, que às vezes sofrem injustiças, com o poder de julgamento concentrado nas mãos dos críticos; tanto por parte de críticos, que sofrem constantes assédios por parte de artistas.

Segundo Medina, os jornalistas culturais, muitas vezes sofrem do mesmo deslumbramento ou estrelismo de que o artista, e por isso, “(...) destilam um veneno vingativo nos juízos de valor com que avaliam os artistas, principalmente os de sua vizinhança” (2007, p. 34). A autora coloca ainda, que uma vingança da “frustração dos editores de cultura se manifesta na marginalização da arte necessária e cotidiana em detrimento dos alvos preferenciais” (2007, p. 34).
Quanto à frustração, a crítica de teatro Candeias discorda de tal máxima, de que todo crítico é um artista frustrado. A autora ressalta: “Nunca quis ser atriz. Mas eu me arrisquei como atriz em algumas coisas... só para experimentar o barato” (2006, p. 22).

Para Coelho, um bom jeito de evitar “injustiças” ou juízos demasiadamente radicais, é partir do ponto que é preciso sempre olhar os vários ângulos da questão, pensar “sempre de outro modo” e observar sempre o lado que não está sendo visto – o lado oposto ao hábito cultural. “Nada pior em cultura que o hábito cultural. E o jornalismo cultural brasileiro ainda está cheio de hábitos culturais. A cultura pode ser feita de hábitos culturais. O jornalismo cultural, não” (2007, p.24).

A respeito do assédio dos artistas aos jornalistas, e o incômodo que isso causa, Candeias coloca que é bastante convidada por assessorias de imprensa de espetáculos:

“Nessa situação do assédio, o que é desagradável, e mesmo insuportável, é uma pressão de pessoas que querem que você vote neles para o Prêmio Shell ou no APCA [Associação Paulista de Críticos de Arte]. Isso é de um desrespeito com a gente. Porque acham que a gente vota por pressão ou simpatia e não por um critério estético (CANDEIAS, 2006, p. 21)”.

Outro ponto ressaltado pela autora é a falta de espaço editorial para atender a toda demanda de espetáculos, problema muitas vezes não levado em conta pelos artistas, que desejam ver seus espetáculos a qualquer custo em pauta no jornal:

Às vezes, eu acho que a classe teatral não imagina que exista o problema jornalístico. (...) Acontece que às vezes você não faz uma crítica ou até junta várias críticas em uma só. Não dá para você dar conta de tudo porque o espaço do jornal para o teatro não é ilimitado. Isso para coisa nenhuma, são pouquíssimas folhas de caderno de cultura, não chegam a dez (CANDEIAS, 2006, p. 18).

Stanzó se posiciona nesses casos afirmando que o trabalho da imprensa não é meramente institucional. Não cabendo a ela apenas divulgar a mensagem de organizações culturais, para essa atividade a contratação de um relações públicas é mais apropriada (2007, p.39).

Referências
Associação Paulista dos Críticos de Arte. Disponível em:
Acesso em: 17 jan. 2008.
AMARAL, L. Técnica de jornal e periódico. 2ªed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro; Brasília: INL, 1978.
BACKES, M. Posfácio: Viva a crítica que mete o pau! In: BACKES, M. A arte do combate. São Paulo: Boitempo Editorial, 2003, p. 317-325.
CANDEIAS, M. L. Maria Lúcia Candeias: duas tábuas e uma paixão: o teatro que eu vi (1997-1992)/ por José Simões de almeida Jr. – São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo: Cultura – Fundação Padre Anchieta, 2006.
COELHO, T. Outros olhares. In: LINDOSO, F. (org.). Rumos [do] Jornalismo Cultural. São Paulo, Summus: Itaú Cultural, 2007.
FARO, A. J. Pequena história da dança. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1986.
LEMOS, G. Reflexões sobre a crítica. A Tarde, Bahia, 19 fev. 2005. Cultural, p. 10.
MEDINA, C. Leitura crítica. In: LINDOSO, F. (org.). Rumos [do] Jornalismo Cultural. São Paulo, Summus: Itaú Cultural, 2007.
MELO, J. M. A opinião no jornalismo brasileiro. Petrópolis: Vozes, 1994.
STANZÓ, A. Um quadro ambíguo. In: LINDOSO, F. (org.). Rumos [do] Jornalismo Cultural. São Paulo, Summus: Itaú Cultural, 2007.

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