domingo, 29 de junho de 2008

Dança na "Venda", por Caroline Martins



Quinta-feira , estava eu entre relatórios e artigos quando meu namorado ligou e chamou para irmos assistir uma apresentação de Dança da bailarina Inês Drumond, que integra a Cia. G2. Como ele é da Dança de Salão e eu soube que ela faz trabalhos com isso, achei que seria uma apresentação de Tango, ou algo do tipo. Cheguei no tal bar, e me deparei com uma casa simples, mesas e cadeiras espalhadas e um espaço no meio bem pequeno, o bar era muito simples, lá no Rio Grande do Sul, chamamos de "venda" aquele barzinho que o tio fica tomando cachaça e a gente vai comprar chiclete e usa o troco de bala. Não tinha luzes, nem nenhum conjunto tocando Tango, havia um povo de All Star , roupas e cabelos alternativos, com "pinta de artista", e quando reconheci os rostos, meu Deus! Era o povo "das antigas", gente que já tinha se formado na FAP, ex-bailarinos e os bailarinos da Cia. G2.
Inês nos cumprimentou mas eu fiquei com vergonha de perguntar porque o ambiente estava com um ar de "a batata tá assando". E perguntei para um amigo, bailarino que já foi formado na FAP e estava na nossa mesa, afinal o que estava acontecendo ali.
Ele me respondeu que era a apresentação de uma cena de "Tudo porque chorei" atual trabalho da Cia. G2, a cena de Inês estava fora da apresentação pois foi censurada um dia após a estréia pela diretora do Teatro Guaíra. Ouvi aquilo e pensei : Como assim? Ela não é funcionária da casa? E a função dela não é justamente comunicar algo através de uma pesquisa, seja lá qual for o tema? Mas fiquei quieta, vai que tinha muita nudez, ou um estupro, enfim, fiquei aguardando a tal cena.
O bailarino Pedro Paulo Abudi (Piter), iniciou a cena movimentando-se tranqüilamente com a atenção voltada para suas mãos que com o toque, mobilizava partes do seu próprio corpo, enquanto Inês fazia duas tranças no cabelo. Eles se encontram no espaço pequeno que sobrou, mesmo a gente arredando as mesas e começam um jogo de improviso. Ele a comandava puxando-a pelas tranças ao som de uma voz de criança que lê uma carta .
A princípio, a gente se perguntas se a cabeça dela deve estar doendo, se cai cabelo, se ele realmente está manipulando ou aquilo é ensaiado. E aos poucos percebemos a intensidade da cena, é muito forte ver a manipulação dele com ela, choca, tem muitas quedas e ela fica suspensa pelo cabelo, muitos rodopios que ele induz, ela parece estar bem desconfortável, mas em nenhum momento ela comanda e sempre deixa ele a conduzir. Seus rostos são neutros, a movimentação dela nos dá uma sensação de "dó" , mas não está na expressão, não há interpretação de violência dele, ou de tristeza nela. Apenas seriedade. Ele a deixa no chão e depois de uma longa pausa ela se movimenta vai de encontro a ele que sai da sala e ela em seguida também sai. Fim...Palmas, bravos e assobios...linda cena!!
Garanto que quem não tinha visto a cena se perguntou assim como eu : mas e por que cargas d’água isso foi censurado e retirado?
O bate – papo foi aberto e a pergunta foi feita. Eis a resposta: Segundo as autoridades do Teatro Guaíra, a instituição não poderia se responsabilizar por mostrar algo tão violento para menores de idade, que poderiam ser influenciados a cometer alguma atitude parecida. Acho que todos ali pensaram o mesmo, mas um falou em voz alta: "vem cá, e a globo não influencia nada?".
Uma diretora tem autoridade, tem, mas que cidadão tem o direito de podar uma pesquisa de sete meses, resultado de uma cena linda, porém intensa, cumprindo o papel dae toda arte que é tocar, de nos fazer sentir e refletir sobre algo, no caso, a manipulação por parte de uma pessoa sobre a outra, de um pai, de um marido, de um amigo, o quanto somos manipulados por outro ou pelo meio e o quanto também somos manipuladores. Dentro do contexto da obra "Tudo porque chorei’ é uma cena adequada que não agride ninguém, não expõe ninguém, apenas comunica e nos faz pensar, porém, segundo outra integrante do G2, a própria autoridade cuja ordem foi de cortar a cena, afirmou que não vai ao teatro assistir arte para "pensar". A dança do Créu pode tocar onde for, mas aquela cena não pode ser vista por crianças e adolescentes...é lamentável.
A discussão foi longa, indignados, questionaram o que a Diretora entende de arte, ou de pesquisa em dança, que conceitos e conhecimentos ela teria para simplesmente retirar o trabalho de uma funcionária da casa de mais de vinte anos. Uma das hipóteses, foi de que a cena agrediu tão pessoalmente, que ela não foi capaz de lidar com isto, e "abusando" de sua autoridade, fez algo que a deixou aliviada. Claro que são assuntos que foram discutidos no bar e ninguém pode afirmar o que de fato aconteceu, estávamos todos lá vendo apenas o lado da bailarina e defendendo a "classe artística".
Mas o que é mais marcante, é pensar , até que ponto se tem liberdade na arte? Como um dos que estavam no bar comentou " se não se podemos ser livres na arte, então seremos livres aonde?" . Também é de se pensar com que critérios alguém pode censurar um trabalho artístico, principalmente de alguém que é pago justamente para fazer isso.
Eu não sei que fim terá esta história, como disse a Inês quando fomos conversar com ela, "há malas que vão para Belém", apesar de ter se sentindo sem base, sem chão com seu trabalho cortado, ela resolveu dar continuidade a esta pesquisa mas sem estar vinculada ao Teatro, e talvez seja um crescimento para ela saber como é ser um artista "sem casa", e se torne um trabalho particular de muito sucesso.
Só queria compartilhar aqui este momento, não foi muito divulgado, o local era pequeno, por isso não estavam todos lá, mas eu digo com toda a certeza: quem tiver oportunidade, vá assistir a cena que não dura nem dez minutos e causou um "forrobodó" tão grande entre bailarinos e autoridades!

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