quinta-feira, 8 de maio de 2008

Dançando na montanha....

O dia se inicia como outro qualquer e lá vamos nós seis rumo ao morro do Anhangava. Os quatro indo absolutamente no escuro. Apenas eu e Tiba fazíamos alguma idéia do que realmente iria acontecer. Mas enfim alguma idéia, pois para mim esta experiência foi mais uma das fomentadoras sobre nossa extensa discussão sobre teoria e prática.
Chegando lá todos reunidos após o deslumbre inicial, o tempo bom, a euforia do desconhecido, dei as primeiras instruções. Destas algumas já conhecidas pela Deboh, pelo Gabi e pela Thaís, devido a nossas constantes trocas. A Gi, portanto estava ouvindo tudo isso pela primeira vez e o Tiba talvez tentando entender como eu processo estes dois mundos e tentando compreender o outro lado.
Falei um pouco a respeito do lugar, da conduta, da ética local, e de alguns princípios de movimento que eu já havia observado: o deslocamento seja ele como for, mas como objetivo, a negação da queda, o uso de articulações periféricas, noções de equilíbrio e jogo de peso, criação para a resolução de problemas, pausa para contemplação ou pelo cansaço. Dentre outros pontos estes foram levantados e discutidos, para que a relação construída fosse de respeito e percepção do ambiente o qual estávamos nos inserindo. Porém nada era previamente proibido ou exatamente proposto.
Começamos a trilha, sentidos aguçados e logo algumas medidas de segurança, bem como de preservação foram sendo retomadas. Primeira parada numa pequena nascente de água Gabriel comenta que estava com sede e sem água nas garrafas. Pedi voluntários. Comecei a filmar. O objetivo é a adaptabilidade no ambiente via processos de criação. Surgiram coisas interessantes entre Deboh e Gabi, continuamos.
Na segunda parada o Tiba nos aguardava numa pedra pedi para que eles subissem, incrível como a auto-organização dos corpos já diz muito sobre eles. Seguimos já na aderência a Thaís se voluntariou. Subiu a rocha de maneira muito rápida, quando estava quase no topo, sentiu medo parou. Não sabia o que fazer, se acalmou deu um tempo para o corpo, resolveu. No seu depoimento aquilo que eu já esperava, o medo, não era a falta de força, de controle, ou mesmo o cansaço mas sim o medo. Daquilo que é diferente, daquilo que o ambiente provoca. Ela comenta de como é possível relaxar na ação e encontrar maneira de resolver. No fim das contas consciência corporal e percepção, para reorganizar naquela ação.
Fiquei bastante realizada, vendo que o que tinha proposto, estava ali claro no corpo de meus colegas. Chegamos a uma das vias de escalada a Peon, procurei levar um de cada vez, para que não houvesse referências de movimento, mas foi aí que comecei a repensar certos pontos. A dificuldade aumentara, a escalada era uma técnica desconhecida. Na minha cabeça eles não podiam conhecer o lugar que iriam explorar pois se pré organizariam. Engano meu.
Percebi que os fatores medo, instinto de proteção, do que é desconhecido, este sim gera um encadeamento de co-contração muscular, reforçando padrões programados e não habilidosos. O aguçar a percepção para saber reconhecer naquele ambiente como estruturar e controlar o corpo, precisava de algo que eu havia esquecido: o tempo. Percebi neste momento que a adaptabilidade não era instantânea, e que portanto era necessário um tempo para estes corpos se familiarizarem com aquele ambiente, para que assim pudessem criar, e se mover com domínio e expressividade.
Conclui que não se trata apenas de transferir as habilidades de um ambiente mais propicio para um mais inóspito, que o processo do qual eu mesma propunha, a adaptação era realmente um processo, e que era neste que o meu trabalho se desenvolvia. Cai em contradição. Por isso comentei a discussão entre teoria e prática. Sabemos que este dualismo não nos leva a nada, mas fato também que precisamos experimentar. Pois nada na dança contemporânea deve ser mesmo plenamente previsível. Vejo aí a lacuna e sua relação de interdependência, teoria e prática devem andar juntas na construção de um conhecimento, mas por vezes se tratam de coisas distintas.
Não somos tão capazes, pelo menos eu não sou, de levar em conta todos os fatores de maneira previa, pois nossos referenciais interferem e muito. Para mim, chegaríamos ali e pronto, tava feito. Ingenuidade talvez, por este ambiente já ter sido incorporado ao meu dia-a-dia. Busquei me lembrar da primeira vez que estive ali, apesar dos referenciais serem outros, lembrei também das minhas dificuldades de observação.
Fui desenvolvendo em mim, por interesse, mas e agora como resolver com estes corpos diversos que estão ali sob minha responsabilidade. Uma questão e tanto. Neste ponto me volto à dança contemporânea e os ambientes que esta permeia. Penso que para estarmos realmente nos relacionando e explorando as possibilidades do real, temos que sair do nosso ambiente de conforto, de salas estruturadas, e ir à contramão do mundo que busca esta incrível comodidade corporal.
Como desenvolver um corpo na verticalidade se a cada dia mais nos negamos aos esforços de subida com aparatos cada vez mais modernos, escadas rolantes, elevadores, se caminhamos menos pois temos automóveis. Como criar novas resoluções e revendo o padrão se tudo que fazemos são gestos repetidos e programados, como horas a fio em frente ao computador.
Penso que na busca de uma permanência o domínio das possibilidades corporais é uma solução primaria e instintiva, já que estes fazem parte do nosso processo de desenvolvimento. Acrescento ainda que o controle necessário para o ambiente montanha é bastante desafiador. Creio este não ser do interesse de todos. Talvez a adaptação possa se dar no paralelepípedo, na água, na árvore, no banheiro.
Mas relaciono, num mundo onde a preservação deveria ser nossa palavra de ordem, onde os ambientes naturais se extinguem bem como nossos recursos. A busca da permanecia deveria começar por aí, pelo menos acho. Esta busca insana por consumo de tecnologia para o conforto e comodidade gera deformidades, o preço da contemporaneidade?
E a dança, deveria expressar esta caótica cena do mundo contemporâneo? Estar nela, compactuar com ela, reforça-la? Ser reflexo de duas buscas contraditórias gera-me questões. Desenvolver tecnologicamente ou preservar o que ainda resta de fonte de vida? Escolhi levar a dança pra montanha....

Por Thábata Liparotti

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